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Cpers deve ingressar na Justiça para suspender implantação de escolas cívico-militares no RS

Programa já foi considerado inconstitucional pela Justiça no ano passado após ação encaminhada pelo Escritório Rogério Viola Coelho

 

A aprovação do Projeto de Lei 344/2023 pela Assembleia Legislativa do Estado nesta terça-feira (9), que autoriza o Governo do Estado a instituir o Programa de Escolas Cívico-Militares no território gaúcho, deve ser alvo de ações na esfera jurídica ao longo das próximas semanas. O projeto assinado pelo deputado Delegado Zucco (Republicanos) e outros quatro parlamentares é considerado inconstitucional por contrariar o modelo de educação estabelecido pela União e por gerar mais custos aos cofres do Estado.

 

A aprovação da proposta – por 30 votos a favor e 14 contrários – ocorreu em meio à mobilização de professores e funcionários do CPERS, que ocuparam as galerias do plenário para demonstrar rejeição à medida, avaliada como um retrocesso.

 

Os docentes e trabalhadores em educação estiveram desde o período da manhã posicionados em frente à AL e visitaram os líderes de bancadas para entregar um parecer jurídico que aponta as principais ilegalidades do projeto.

 

A diretora-geral do 39º núcleo do Cpers, Neiva Lazzarotto, comenta que a entidade deve ingressar nos próximos dias com uma ação judicial contestando a aplicação do projeto, com base na atual Lei de Diretrizes e Bases (LDB) que rege o ensino em todo o país. Ela destaca que o decreto de implantação das escolas cívico-militares no Brasil já foi revogado pelo presidente Lula (PT) em julho do ano passado com base nas mesmas diretrizes.

 

“É um projeto que representa a ideologia da extrema-direita e que visa militarizar as escolas. Nós somos defensores da escola pública, laica, civil e democrática. Eles aprovam esse projeto porque eles querem cooptar jovens para a ideologia de extrema-direita, para votarem neles, sob o argumento de precisam ter disciplina, hierarquia e amor à Pátria. É muito grave o que aconteceu ontem na Assembleia, com o aval do governador Eduardo Leite e da secretária Raquel Teixeira. Eles vão responder por esse grave retrocesso na educação”, afirma.

 

Neiva ressalta que é possível que tenha ocorrido uma negociação entre o governo e os parlamentares para garantir o apoio dos deputados de extrema-direita na votação do projeto de revisão do ICMS em isenções fiscais em troca do apoio do governo e SEDUC ao PL do Delegado Zucco.

 

“Usaram a escola pública como barganha, como moeda de troca. Nós da direção do 39º núcleo, que já conquistamos uma decisão da Justiça no estado, estamos estudando o encaminhamento de uma nova ação para derrubá-lo”, aponta.

 

“A escola não pode ser uma guerra, tem que ser um ambiente de aprendizado”, destaca deputada.


A ausência de base legal para a implantação do modelo de escola cívico-militar no Rio Grande do Sul foi abordada pelos parlamentares que defenderam a rejeição à proposta na sessão desta terça-feira.

 

A ilegalidade do modelo de escola cívico-militar no território gaúcho já foi comprovada a partir de uma decisão da 7ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre de novembro do ano passado. Na ocasião, a medida encaminhada pelo Escritório Rogério Viola Coelho – Advocacia dos Direitos Fundamentais contemplava 25 escolas que estavam incluídas no modelo nacional que já havia sido revogado pelo presidente Lula. Agora, com a aprovação do novo projeto na AL, outras 18 escolas que estavam incluídas no Programa Estadual de Escolas Cívico-Militares passam a ter o sistema oficialmente em vigor.

 

A presidente da Comissão de Educação, deputada Sofia Cavedon (PT), ressaltou a inviabilidade do sistema em relação à legislação brasileira sobre o tema. Ela destacou que a suspensão do modelo também ocorreu em São Paulo após decisão do Tribunal de Justiça (TJ) – a partir das mesmas diretrizes jurídicas que impediram a manutenção do sistema no Programa Estadual de Escolas Cívico Militares no Rio Grande do Sul. 

 

Já a deputada Luciana Genro (PSOL), que também ocupa a presidência da Frente Parlamentar em Defesa dos Brigadianos de Nível Médio, abordou o estado de saúde mental de muitos militares que não estão preparados para lidar com ambientes escolares – mesmo na função de monitores. Segundo ela, a taxa de suicídio em militares é três vezes superior em relação a civis.

 

“O militarismo é adoecedor e se baseia em uma lógica de guerra, em que uns são inimigos dos outros. Essa é a base que gera um índice de suicídio três vezes maior para os militares.  É a lógica da obediência e esta lógica é muito importante na guerra, mas a escola não pode ser uma guerra, tem que ser um ambiente de aprendizado”, afirmou.

Ela destacou ainda uma pesquisa realizada junto a profissionais de escolas do DF, RJ e PR que demonstra que a relação entre policiais e alunos prejudica o ambiente escolar, devido a decisões autoritárias de militares que tentam se intrometer nas questões pedagógicas.

 

“Essa pesquisa mostra que a relação entre policiais professores e alunos é turbulenta e que até mesmo o conteúdo em sala de aula foi prejudicado após a implantação do modelo.  Vídeos divulgados por alunos mostram um monitor PM dizendo que se precisar iria bater em um aluno. O que esse modelo proporciona são militares que já tem uma boa aposentadoria com gordos contracheques e gordas gratificações para ameaçarem estudantes dentro das escolas, pra evitarem que a escola seja um ambiente democrático, de divergência e aprendizado. Não é com repressão que se vai melhorar a escola pública e o Brasil”, defendeu Luciana.

 

“Os militares vão controlar o que os professores vão fazer”, afirma educadora.


A movimentação de docentes e demais trabalhadores da educação ocorreu durante a manhã e se estendeu até o final da votação na Assembleia Legislativa nesta terça. Após visitar as bancadas dos líderes partidários na AL, os professores acompanharam a apreciação dos projetos durante a sessão ordinária. O posicionamento contrário de docentes com décadas de experiência na educação evidenciou a falta de diálogo com a sociedade para a implementação da medida.  

 

Uma das professoras que fazia parte do grupo é Clarice Fuiza, que lecionou mais de 35 anos em turmas de Anos Iniciais do Ensino Fundamental e também já foi membro do Conselho Municipal de Educação de Porto Alegre representando dois núcleos do Cpers. Ela aponta que a inclusão de militares nas escolas restringe o livre pensamento e é um risco à própria autonomia dos professores em sala de aula.

 

“Isso não cabe no fazer pedagógico. A construção de um mundo que pensa e que reflete e que tem possibilidade de construir uma sociedade humana. Isso não cabe na sociedade civil e perdemos e legitimidade como educador e os direitos de viver livremente. Isso é ditadura”, avalia.

 

O risco iminente de intrusão dos militares nas questões pedagógicas também foi abordado pela diretora do Cpers, Leonor Ferreira. “O interesse é acabar com a educação. Eles também vão controlar o que os professores vão fazer. O projeto não estipula claramente algumas questões, e sabemos que na prática será diferente. Os professores vão se sentir acuados, sem poder dar sua opinião e ensinar os alunos. É uma forma de nos calar”, desabafou.

 

Projeto é um risco para a gestão democrática das escolas, de acordo com especialista.

 

O princípio da gestão democrática das escolas públicas contido na LDB é um aspecto que pode ser desvirtuado com a inclusão do modelo de escola-cívico militar no Rio Grande do Sul. Conforme a advogada Karine Vicente, que encaminhou a ação de contestação do modelo cívico-militar na Justiça no ano passado, o texto abre uma série de brechas para a interferência indevida dos militares no projeto pedagógico das escolas. 

“A aprovação desse PL configura um imenso retrocesso às conquistas garantidas pela Constituição Federal, pela Constituição Estadual, pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e pela Lei Estadual n. 16088/2024, na medida em que expressamente viola os princípios da gestão democrática, da autonomia pedagógica e administração, assim como do pluralismo de ideias e concepções pedagógicas” ressalta.

Ela afirma que todo o processo deve ser considerado inconstitucional por conta da origem do PL, uma vez que deveria ser encaminhado pelo Executivo, e não partir do Legislativo.

“Essa iniciativa parlamentar é de competência do Executivo, então ela já começou burlando o processo legislativo instituído pela legislação federal e observado pela Constituição Estadual”, ressalta.  

Além disso, ainda conforme Karine, o texto do Projeto de Lei aprovado suprimiu o termo “gestão democrática” por outros conceitos abstratos que não explicam como a atuação dos militares vai funcionar na prática, como “gestão de excelência” ou “gestão pedagógica eficiente”.

“Esses conceitos aparecem de forma solta, sem nenhuma explicação sobre o caráter dessa gestão ou sobre algum elemento complementar que nos garanta que na prática será aplicado em observância à gestão democrática. Se deixou claro que o programa não vai observar a gestão democrática”, explica.

Outro ponto que enseja preocupação com o ingresso de militares nas instituições de ensino diz respeito às parcerias – por meio de Acordo de Cooperação – que podem ser realizadas entre a Secretaria Estadual de Educação (SEDUC) e a Secretaria Estadual de Segurança Pública (SSP).

“Não tem elementos que confirmem como vai ocorrer essa relação, qual vai ser o poder de gerência da SSP sobre a SEDUC. A princípio seria para militares da reserva desempenharem a função de monitores cívico-militares. Mas o texto não explica o que seriam esses monitores nem qual seriam as suas funções. Somente dá a entender que eles vão compor a comunidade escolar e auxiliar na construção do programa pedagógico”, salienta. 


Texto e fotos: Marcelo Passarella – Jornalista – Registro profissional: 0019340/RS


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