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A possibilidade de pagamento preferencial de precatórios e isenção do imposto de renda

Por Julia Vaz Mielczarski - OAB/RS 133.157


O precatório é um procedimento de pagamento de dívidas decorrentes de decisões judiciais transitadas em julgado manejadas em face do poder público. Dessa forma, este procedimento representa uma obrigação imposta ao Estado para com o exequente, titular da ação judicial, cujo cumprimento é essencial para garantir a segurança jurídica e o respeito ao Estado de Direito. No entanto, diante da limitação de recursos públicos, surge a necessidade de estabelecer critérios para priorizar o pagamento desses valores.

Sendo assim, a Constituição Federal estabeleceu um critério de prioridades no pagamento dessas dívidas em seu art. 100, § 2º. Na redação que lhe foi dada pela Emenda Constitucional n.º 94/2016, dispõe o seguinte (grifo nosso):

os débitos de natureza alimentícia cujos titulares, originários ou por sucessão hereditária, tenham 60 (sessenta) anos de idade, ou sejam portadores de doença grave, ou pessoas com deficiência, assim definidos na forma da lei, serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, até o valor equivalente ao triplo fixado em lei para os fins do disposto no § 3º deste artigo, admitido o fracionamento para essa finalidade, sendo que o restante será pago na ordem cronológica de apresentação do precatório.[1]

Essa preferência prevista consiste em uma autorização constitucional de adiantamento dos valores requisitados aos credores idosos, portadores de doença grave ou pessoas com deficiência, titulares de créditos com natureza alimentar.

Ressalta-se que o precatório alimentar é aquele que decorre de uma sentença judicial transitada em julgado que reconheceu direitos a salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, total ou parcial, fundadas em responsabilidade civil.[2]

Essa medida reconhece a vulnerabilidade desses grupos e busca assegurar que recebam os valores devidos em tempo hábil. Tal prioridade é fundamentada em princípios constitucionais de dignidade da pessoa humana e proteção aos mais vulneráveis.

Nesta senda, a partir da leitura do art. 100, §2º da CF, tratando-se de credor originário ou por sucessão hereditária, deverão ser aferidas, visando à concessão do benefício, as seguintes condições[3]:

 

a) estar o crédito inscrito em precatório (não há prioridade para créditos inscritos em RPV);

b) ser o crédito inscrito em precatório de natureza alimentar (não há prioridade para créditos de natureza comum);

c) a idade de 60 anos: independentemente de se tratar de credor originário ou por sucessão hereditária, constituindo-se o direito subjetivo à prioridade no momento do implemento desse requisito, ou

d) a deficiência: apurada, quando necessária, na forma da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (art. 2º, §1º), ou

e) a existência de doença grave: qualquer das moléstias indicadas na forma do inciso XIV do art. 6º da Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988, com a redação dada pela Lei nº 11.052/2004, o qual cabe aqui transcrever:

 

Art. 6º Ficam isentos do imposto de renda os seguintes rendimentos percebidos por pessoas físicas:

XIV – os proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma; (Redação dada pela Lei nº 11.052, de 2004) (Vide Lei nº 13.105, de 2015) (Vigência) (Vide ADIN 6025).

 

Nesta alínea, faz-se pertinente tecer breves considerações, uma vez que além da preferência no pagamento de seu precatório, em razão do beneficiário ser portador de alguma doença grave das descritas acima, este sendo aposentado terá direito também à isenção do seu imposto de renda [3].

Além disso, a Súmula 627 do STJ [5] preceitua que o contribuinte portador de alguma das doenças mencionadas faz jus à concessão da isenção do IR, independentemente de ser exigido que demonstre a contemporaneidade dos sintomas ou a recidiva.

Ainda, em junho de 2020, a Primeira Turma decidiu (REsp 1.836.364) que o sucesso no tratamento de uma doença grave não afasta o direito à isenção de IR previsto na legislação.

O ministro relator do recurso Napoleão Nunes Maia Filho (REsp 1.836.364) destacou que:

Uma vez acometido por moléstia classificada como grave, a simples falta de atualidade do quadro clínico agudo não prejudica o reconhecimento da isenção.

O referido benefício independe da presença, no momento de sua concessão ou fruição, dos sintomas da moléstia, pois é de conhecimento comum que determinados males de saúde exigem, da pessoa que os teve em algum momento de sua vida, a realização de gastos financeiros perenes – relacionados, por exemplo, a exames de controle ou à aquisição de medicamentos [...].

Nesse sentido, considerando que, por analogia, utiliza-se a Lei nº 7.713/88 do imposto de renda para concessão de preferências no pagamento de precatórios de portadores de doenças graves, entende-se que as considerações acima expostas pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, no sentido da não necessidade de contemporaneidade da doença grave para a concessão ou manutenção do benefício tributário, também devem ser aplicadas às análises de pedidos de preferências no pagamento de precatórios.

Do ponto de vista jurídico, a preferência no pagamento de precatórios em razão da idade, doença grave ou deficiência encontra respaldo nos princípios constitucionais e nos direitos humanos. No entanto, é importante garantir que tais critérios sejam aplicados de forma justa e transparente, evitando discriminação ou arbitrariedade.

Em suma, o pagamento preferencial de precatórios em razão da idade, doença grave ou deficiência, juntamente com a isenção do imposto de renda – para os portadores de doença grave –, representam importantes medidas de proteção aos direitos dos mais vulneráveis. No entanto, é necessário garantir que essas políticas sejam implementadas de forma eficaz e justa, equilibrando as necessidades individuais com as limitações financeiras do Estado. A promoção da dignidade humana e da justiça social deve ser o objetivo primordial dessas medidas.

Salienta-se que, para a solicitação de preferência de pagamento de precatório em processo judicial, bem como pedido de concessão ou manutenção de isenção do imposto de renda, recomenda-se, em todos os casos, consultar um advogado para análise do caso concreto.

 

Referências

[[1]] BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 12 mar. 2024.

[2] BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República. Art. 100, §1º. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 14 mar. 2024.

[3] Prioridade no pagamento de precatórios alimentares, Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/consultas/precatorios/solicitar/pedido-de-preferencia. Acesso em: 11 mar. 2024.

[4] C. CAMARGO CANCER CENTER. Cartilha dos direitos do paciente com câncer. Disponível em: https://www.accamargo.org.br/pacientes/apoio-ao-paciente-e-ao-familiar/cartilha-dos-direitos-do-paciente-com-cancer. Acesso em: 20 dez. 2021.

[5] Jurisprudência do STJ, Superior Tribunal de Justiça. Disponível em:  https://scon.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp. Acesso em: 14 mar. 2024.

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