Marcelo Passarella
A Assembleia Legislativa aprovou, na noite da última terça-feira (30), o Projeto de Lei 243/2024, de autoria do Governo do Estado, que determina a reestruturação de carreiras do funcionalismo e prevê reajuste de 12,49% para cerca de 69 mil servidores da segurança pública. A medida, votada em sessão extraordinária no último dia do recesso parlamentar, estipula que o reajuste seja parcelado em três vezes, em janeiro e outubro de 2025 e outubro de 2026.
Contudo, o percentual será compensado pela diminuição da chamada parcela de irredutibilidade, dispositivo que agrega as vantagens e gratificações incluídas no contracheque. Na prática, isso significa que, mesmo com o reajuste, servidores da segurança pública não vão receber nenhum aumento real.
“Nós achamos que não há nenhum sentido em 40% dos servidores da Brigada Militar terem reajuste zero até 2026, por conta da absorção da parcela de irredutibilidade”, afirmou o líder do PT na Assembleia, Miguel Rossetto.
Além disso, o projeto modifica as diretrizes de evolução funcional, promoções e matrizes salariais de cerca de 39 mil servidores de diferentes segmentos da administração pública estadual, dentre ativos e inativos. As alterações abrangem diversas carreiras, como servidores de escola, médicos, engenheiros, analistas, técnicos e especialistas de áreas diversas.
Entretanto, a proposta não regula isonomia entre as carreiras, ou seja, não define parâmetros de aumento real para os servidores de forma igualitária. O diretor do Sintergs, sindicato dos servidores de nível superior no Estado, Humberto Periolo, explica que somente 10% a 15% das categorias estão sendo beneficiada com aumentos reais – dentre funcionários da Saúde, do Meio Ambiente, da Agricultura, do Planejamento e de outras pastas. O magistério, que possui maior número de servidores estaduais, não foi incluído no projeto.
“Cria um descontentamento brutal entre servidores que ingressaram no mesmo concurso público, com as mesmas exigências de edital, que faziam parte do mesmo quadro funcional e que agora terão tratamento diferenciado pelo governo. Nós queremos um tratamento isonômico, nós queremos que todos os servidores sejam contemplados de forma igualitária”, diz Periolo, em entrevista ao Sul 21.
Com as mudanças, as regras de promoção e progressão serão baseadas em critérios de desempenho. Também será implantado o pagamento de subsídio para o conjunto das carreiras, além de novas tabelas salariais para harmonizar a diferença remuneratória entre o período inicial e final de cada carreira.
Emendas foram rejeitadas por maioria de votos
Apesar da aprovação por 48 votos a 2, a sessão foi marcada por fortes críticas de parlamentares da oposição que defendiam a inclusão de 35 emendas para complementar o projeto – que beneficiavam outras categorias de servidores públicos estaduais. Porém, as emendas sequer chegaram a ser apreciadas em plenário devido ao requerimento de preferência aprovado por 29 votos a 20.
Uma das emendas rejeitadas visava interromper a absorção da parcela de irredutibilidade, além de elevar o reajuste para 16,72% - e que fosse aplicado ainda nesse ano para outras categorias, como as das fundações. A emenda do PSOL, PT e PCdoB ainda previa a absorção dos servidores das fundações extintas e a elevação do subsídio de todos os servidores de nível médio, que passariam a receber, no mínimo, R$ 4,2 mil.
A bancada do PSOL também encaminhou outras emendas para contemplar categorias como os guarda-parques, os servidores do Detran, os servidores de cargos efetivos de nível fundamental, os técnicos em radiologia, os servidores da extinta Fepagro, o conselho Regional de Biologia, os da extinta Caixa Estadual, os Técnicos Agrícolas e os servidores da educação da FASE.
Promessas do governador para assegurar a aprovação
Para garantir que o projeto recebesse o aval do Legislativo, uma das promessas do governador é a antecipação da primeira parcela do reajuste de janeiro de 2025 para outubro de 2024. Para concretizar a medida, porém, o Estado deve encaminhar uma solicitação ao Ministério da Fazenda para autorizar o repasse, uma vez que a Lei Complementar 206/2024 proíbe despesas durante a vigência de decreto de estado de calamidade pública devido às enchentes de maio no território gaúcho.
Outra promessa do governo é apresentar um Projeto de Lei Complementar (PLC) para estabelecer outras revisões nas carreiras da Segurança Pública. A medida deve contemplar os servidores lotados nos chamados cargos em extinção, ocupados por servidores de empresas estatais e órgãos que não existem mais, assim como funções que foram modificadas ao longo do tempo e que não dispõem de plano de carreira.
Governo atropelou discussão sobre o projeto, segundo entidades
Um dos pontos mais polêmicos em torno da proposta reside na falta de discussão com as entidades que representam o funcionalismo no Estado. A votação ocorreu 11 dias após o Governo do Estado retirar da pauta de votação o projeto original a pedido de sindicatos que representam o funcionalismo e encaminhar proposta revisada à AL.
“Eu entendo que esse projeto de reestruturação não deveria ser votado nesta terça. O governo já queria que fosse aprovado há 10 dias, encaminhou numa quarta-feira querendo que fosse votado na sexta. Com muito esforço, nós, entidades sindicais, conseguimos juntamente com os deputados a prorrogação. O governo retira o projeto, faz algumas alterações que não contemplam nada e, na verdade, não melhoram nada, e devolve o projeto à Assembleia em regime de urgência para ser votado na terça, isso é injusto. Não houve diálogo, não houve conversa, não ouve nada”, afirma Humberto Periolo.
O vice-presidente da Ugeirm, sindicato dos agentes da Polícia Civil, Fábio Castro, assinala que o valor do acréscimo concedido é “irrisório”, uma vez que a categoria acumulou perdas que ultrapassaram 30% somente no governo Leite. Ele ressalta que os 6% de reposição de inflação concedidos em 2022 foram consumidos pelo aumento do IPE-Saúde e pela Reforma da Previdência.
“Se for parcelado ainda em três anos, isso significa que a inflação vai comer todo ele. O governo aproveita que existe um clima ruim no Estado para fazer esse tipo de debate e joga às pressas um reajuste de 12%, parcelado em três vezes, quando a gente tinha que levar mais tempo fazendo um debate, para que a gente chegasse minimamente às perdas inflacionárias dos últimos anos. Mas foi atropelado, não houve nenhum debate”, lamenta Castro.
Outra crítica ao projeto reside no fato dele não contemplar aposentados. “O governo faz injustiça é quando exclui os aposentados desse processo. Os aposentados que trabalharam mais de 30 anos no serviço público, que se dedicaram muito para o serviço público, estão sendo alijados, exatamente no momento de maior dificuldade de sua vida. Então, mesmo reconhecendo que, para algumas categorias o projeto apresentado pelo governo alcance alguns benefícios, considerando o todo da categoria, nós não podemos concordar que isso seja proporcionado apenas a uma pequena minoria de servidores”, ressalta o dirigente.
Foto: Paulo Garcia/AL
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