As mudanças nas legislações trabalhistas têm acontecido no mundo todo. Nos Estados Unidos, por exemplo, o presidente Joe Biden conseguiu a aprovação na Câmara dos Deputados da Lei de Proteção ao Direito de Organizar (PRO-Act). A proposta retira entraves que impedem os trabalhadores americanos de formar um sindicato e de alcançar seus direitos à negociação coletiva. O texto ainda precisa ser votado no Senado, onde o Partido Republicano tem tido sucesso no bloqueio de medidas propostas pelo Governo.
Já no Brasil, as mudanças aprovadas após o impeachment da presidente Dilma Rousseff foram feitas para flexibilizar e retirar garantias legais para o exercício dos direitos constitucionais dos trabalhadores.
A realidade brasileira foi o tema exclusivo de uma reunião virtual ocorrida nesta quinta-feira (09) no Congresso Nacional Americano. Proposto pela Congressista democrata da Pensilvânia Susan Wild, o encontro contou com a participação da deputada federal brasileira Erica Kokay, do sindicalista e jurista americano Stanley Gacek e do ex-ministro da Justiça Tarso Genro. A atividade contou com a organização do Washington Brazil Office (WBO), uma organização independente com sede nos Estados Unidos exclusivamente dedicada a pensar a realidade brasileira. O ex-ministro Tarso Genro representou o Instituto Novos Paradigmas que está integrada ao grupo de entidades que compõem a WBO.
Na abertura, a congressista americana afirmou ser um erro pensar que questões trabalhistas não ultrapassam fronteiras. “No mundo global devemos compreender que as questões trabalhistas precisam ser globais, principalmente quando direitos estão sendo atacados. Precisamos moldar um futuro em que os sindicalistas estejam conectados e atuem coletivamente”, disse Wild.
Já Stanley Gacek, que entre 2011 e 2016 atuou como diretor-adjunto da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil, ressaltou que a chamada reforma trabalhista promovida pelo neoliberalismo brasileiro teve como consequências mais graves o abalo do financiamento dos sindicatos, com o fim da contribuição sindical obrigatória, a sobreposição das negociações individuais sobre os acordos coletivos e a permissão para contratos de trabalho intermitentes, sem previsão de um índice mínimo de horas trabalhadas.
“No Brasil, se criou o direito de se trabalhar ganhando cada vez menos. Depois da mudança da legislação, o presidente Bolsonaro assumiu e aprofundou os estragos nas estruturas estatais ligadas ao Ministério do Trabalho, reduzindo em mais de 40% o orçamento em ações de fiscalização e combate ao trabalho infantil e ao trabalho escravo”, denunciou Gacek.
O ex-ministro da Justiça Tarso Genro começou sua explanação concordando com Susan Wild no sentido de considerar que as questões trabalhistas são questões globais. Tarso lembrou ainda que Bolsonaro assumiu o Brasil em um momento de desconstituição do sistema protetivo brasileiro. “No Brasil, se constituiu a tese de que a democracia atrapalha as soluções dos problemas e que tudo que acontece pelas vias constitucionais é lento e passível de corrupção”.
Segundo Tarso, o objetivo da tese, que sempre contou com o apoio da mídia tradicional, era preparar a ordem política e a ordem jurídica, para o desmantelamento dos organismos de defesa de direitos das classes trabalhadoras, postulando que, face ao surgimento das novas tecnologias, as novas categorias de trabalhadores não mais caberiam no sistema protetivo da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), logo seria necessário convencê-los de que todos poderiam, na precariedade, na intermitência, na informalidade, “ser empresários de si mesmos.”
“O direito internacional privado, agregou Tarso Genro, que rege as relações entre as empresas na ordem global, evolui de maneira harmônica, segundo os interesses das grandes corporações, mas , o direito internacional público, que deveria preservar e harmonizar as relações – entre os estados segundo os princípios da dignidade humana constante nas constituições nacionais – não evoluiu em nada”. Aqui, disse Tarso Genro, “impera a força normativa dos poderes fácticos, pois o que vale são os poderes materiais organizados no capitalismo financeiro em escala global”.
Se o ex-presidente Lula confirmar o favoritismo e vencer a eleição em outubro, Tarso defende que o debate sobre a Reforma Trabalhista precisa estar presente dentro de um contexto de retomada de um projeto de desenvolvimento econômico e social. Para o ex-ministro, não basta simplesmente a volta da plenitude da CLT . “Para esse novo mundo do trabalho fragmentado, terceirizado, com meia-jornada, intermitência, precariedade e informalidade, é fundamental reinventar tutelas. Isso só pode ser feito pelo Estado, através de um pacto democrático que envolva os novos atores da economia e os trabalhadores dispersos num novo pacto sociopolítico”.
Por fim, Tarso ainda reconheceu o importante papel do Supremo Tribunal Federal, que tem atuado na defesa da Constituição e da Democracia.
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