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A DIFICULDADE DE REVISÃO DAS APOSENTADORIAS BASEADA NA CHAMADA “REVISÃO DA VIDA TODA”

Kianne Nicoletti

Advogada OAB/RS 112.094

 

Não há nada mais lesivo, do ponto de vista jurídico, para a coletividade do que as reformas legislativas que acompanham as mudanças políticas e econômicas de um país ao longo dos anos, trazendo cenários que mutilam direitos e garantias duramente conquistadas.

Sabe-se que mudanças sociais e, consequentemente, jurídicas, são inevitáveis, vez que a dinâmica das relações sociais está em constante mudança, sendo necessário que o Estado e o direito se mantenham atentos a elas, sob pena de retrocesso social e abismos jurídicos.

Nesse diapasão que, em meados da década de noventa, em razão da saltitante inflação que assolava o país e da frequente troca de moedas, foi instituído o Plano Real, que tinha como objetivo a estabilização econômica. Apesar do eminente sucesso do plano, com a diminuição esdrúxula de remarcação de preços e das desigualdades sociais, a polêmica veio com a necessidade de conversão do cruzeiro real para a Unidade Real de Valor – URV, a fim de que a economia fosse solidificada.

No âmbito previdenciário, com a necessidade de concessão de benefícios pecuniários, o problema de conversão foi resolvido com a promulgação da Lei 9.876/99, que fixava, àqueles já participantes do seguro social, o marco para a concessão dos benefícios na apuração da média salarial das contribuições a partir de julho/94, quando da instituição do Plano Real. Em suma, a ideia era limitar que fosse considerado o período contributivo do cidadão após tal marco para que a concessão fosse embasada sempre na mesma moeda.

Entretanto, apesar da lógica monetária da ideia, criou-se, em verdade, um corte ao longo do período de contribuições do segurado, desconsiderando meses de repasse aos cofres públicos que, quando da concessão da tal almejada aposentadoria, a renda mensal inicial do benefício despencava, posto que o salário de benefício desses segurados era, conforme determinação expressa no revogado caput do art. 29 da Lei 8.213/91, instituído com base na média aritmética simples dos últimos salários, no máximo de trinta e seis meses, sendo costumeiro que os segurados melhorassem suas contribuições nos últimos anos.

Foi assim que surgiu a chamada tese jurídica “Revisão da Vida Toda”, que tinha, genericamente, o objetivo de fazer com que o INSS considerasse todos os salários contributivos do segurado ao longo do período base de cálculo, ainda que contribuições em cruzeiro ou cruzeiro real, sem que fossem limitados ao marco de julho/94.

A argumentação jurídica da referida tese leva por base a simples consideração de que o segurado, quando do advento de uma reforma previdenciária, pode optar pela regra que lhe seja mais benéfica, ainda que não a de transição.

Assim, para aqueles segurados que ingressaram na Previdência Social antes de novembro/99, a ideia era facultar a escolha de seguir a nova regra geral trazida, que propunha a concessão dos benefícios de aposentadoria pela média aritmética simples dos maiores salários correspondentes a 80% de todo o período contributivo.

Não se pretendia discutir a constitucionalidade do artigo 3º da Lei 9.876/99, que determinou o marco de cálculo a partir da instituição do Plano Real, eis que, quando resultasse em cálculo mais favorável ao segurado inscrito no Regime Geral de Previdência Socia, posto que porventura àquelas contribuições anteriores fossem a menor, a renda mensal inicial do benefício não as consideraria.

A questão juridicamente factível era estender a aplicação da regra permanente prevista no artigo 29 da Lei 8.213/1991, de forma que os segurados que iniciaram a vida laborativa em tenra idade não fossem prejudicados pela desconsideração de anos de contribuição, em razão do mero marco da instituição do Plano Real.

A questão parecia resolvida ainda em 2019, quando o Superior Tribunal de Justiça assentou entendimento de que o segurado, diante de mudanças nas regras previdenciárias, tem o direito de optar por aquela que lhes seja mais favorável. Mas em vista da eminente vitória social aos segurados, com a possibilidade de revisão da renda mensal inicial das aposentadorias já concedidas, a tese levantada ainda não tinha surtido os efeitos desejados, pois o recurso escolhido como paradigma e afetado como tema foi desembocar no Supremo Tribunal Federal e, lá, a história é outra.

Após o trâmite processual de praxe, houve o surpreendente pronunciamento favorável da Corte. O Min. Alexandre de Moraes pronunciou seu voto favorável, acompanhando o então relator do processo, o já aposentado Min. Marco Aurélio, trazendo ao término a discussão e consagrando a possibilidade de que o segurado tem o direito de optar pela regra que lhe for mais benéfica. Consagrada vitória aos direitos sociais e legítima derrota aos que insistem em argumentar que a Previdência Social tem o condão de quebrar o país, que esquecem, ao que parece, a tese é amparada nas contribuições vertidas pelos segurados em tempos em que a inflação retirava a comida das mesas dos brasileiros e contribuir para a Previdência era garantia de poucos.

Não se pode esquecer que a Previdência Social, ao contrário das demais áreas da seguridade, tem caráter contributivo e exige, para a concessão de qualquer benefício, a vinculação a um sistema de contribuições mensais, conforme dispõe o artigo 201 da Constituição Federal: “A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial [… ]”.

Foi assim ementado o Recurso Especial afetado: “5. É certo que o sistema de Previdência Social é regido pelo princípio contributivo, decorrendo de tal princípio a necessidade de haver, necessariamente, uma relação entre custeio e benefício, não se afigurando razoável que o Segurado verta contribuições e não possa se utilizar delas no cálculo de seu benefício.”, garantindo a aplicação das prerrogativas trazidas pela Constituição Cidadã antes que transformadas em mero informativo.

 

REFERÊNCIAS

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